Eu não sou goiana, mas tenho uma consideração muito grande pelo estado e pelas pessoas que conheci lá. Foi em Goiás que minha carreira como educadora começou, meu filho cresceu mais custoso do que arteiro, e os poucos amigos que ainda tenho contato no Brasil eu conheci em Goiás, mesmo que alguns deles também já tenham deixado o estado.
Quando eu postei os textos sobre Morar na China e o que eu aprendi aqui, meu primo (eu o considero meu primo porque crescemos juntos), que mora em Manaus, me lembrou que o Brasil, por ter dimensões continentais, não requer que você se mude para fora do país para se sentir um estrangeiro.
Eu não tenho ideia de como é morar no Norte, mas quando eu morei em Santa Catarina, em um cidade muito pequena e muito tradicionalista, as pessoas queriam saber o nome da minha família antes de serem meus amigos, e essa, talvez, tenha sido a minha primeira experiência como estrangeira. Não foi fácil me adaptar a cultura, ao clima, a linguagem, a distância da família, a gente costumava dizer estava em outro país, era difícil explicar o quão diferente era e a sensação que isso causava. Em alguns aspectos como educação, saúde e segurança, Chapecó era excelente, mas por outro lado ainda era muito difícil se sentir parte da comunidade, eu nunca consegui fazer amigos na escola e eu não pude continuar jogando futebol, porque, por lá, ainda se tinha o pensamento de que era esporte só para homem. Quando meu pai foi transferido e nos deu a notícia de que iríamos mudar novamente eu confesso que eu estava feliz com a oportunidade, de tentar fazer amigos.
Fomos para São Carlos, interior de São Paulo, depois eu mudei para Londrina para estudar na UEL, e por fim ficamos um período curto em Santo André. Dez ano depois e três cidades mais tarde, fomos para Goiânia e recomeçar tudo no estado que tinha mais cabeças de gado do que pessoas não parecia muito promissor.
Claro que eu a situação era completamente diferente, para começar eu tinha a opção de ficar em Santo André, mas não fazia muito sentido continuar trabalhando como auxiliar administrativo em uma escola municipal tendo concluído o curso de Letras naquele ano. Eu tinha a responsabilidade de criar meu filho, que na época estava com 8 meses, e não havia dúvidas de que seria muito mais fácil criá-lo com a ajuda dos meus pais do que sozinha.
Não era minha primeira mudança, mas dessa vez tinha um gostinho muito maior de recomeço para mim. Seria desafiador, porque agora eu não estava indo apenas com meus pais, eu também tinha um filho, e mais incertezas de como eu faria para que tudo desse certo eram maiores do que qualquer mãe gostaria de ter, mas havia muito pouco que eu podia fazer a esse respeito.
Eu me lembro de mais uma vez ter que me adaptar com a expressões locais e ao clima, mas as diferenças acabavam ai. Ninguém perguntavam meu sobrenome e o fato de eu não ser de Goiás não fazia qualquer diferença, afinal Goiânia completou 88 anos em 2021 e todo mundo tem pelo menos um parente próximo que não era dali, se eles não forem de outras partes do país também.
O centro-oeste é uma região que na época oferecia muitas oportunidade, principalmente no setor do agronegócios, portanto, não era surpreendente encontrar novos investidores. Não demorou muito para eu conseguir a minha primeira oportunidade na minha área, as pessoas com quem trabalhei eram amigáveis, não que eu tinha amigos, mas o ambiente de trabalho era agradável.
Quando eu fui a Irlanda, em uma das visitas guiadas que eu fiz em Dublin, o guia disse que todos ali tinham ou algum grau de parentesco com um dos integrantes da banda U2, ou alguma história para contar com eles, e com tal premissa ele nos contou a sua história pessoal com a banda.
Goiânia tem um pouco disso também, todo mundo tem parentesco ou uma história para contar sobre um político, jogador de futebol ou cantor sertanejo. Eu trabalhava em uma escola que era muito ruim (ela fechou, então não tem problema falar), mas lá eu conheci uma professora que me indicou para trabalhar em outra escola. Essa pagava o dobro do que eu ganhava antes e era muito mais fácil de trabalhar, apesar de alguns alunos serem um pouco desinteressados. Eu nunca fui de perguntar muito sobre os alunos, não que eu não me interesso por eles, mas com exceção daqueles que têm necessidade de uma atenção especial, seja por motivos médicos ou psicológicos, eu acredito que todos devam ser tratados da mesma forma.
Certo dia, em uma conversa com a dona da escola, ela deixou escapar que o filho do Luciano, da dupla Zezé de Camargo e Luciano, estudava na escola. O menino (que já tinha barba no ensino médio) era super tranquilo, ele não era daqueles que usava o nome do pai, aliás eu nunca ouvi ele dizer o nome do pai na sala.
Um dia ele faltou e no dia seguinte ele disse que o pai tinha voltado de viagem porque era aniversário dele e eles passaram a noite comemorando a data. A forma com que ele falou foi tão casual, que jamais alguém diria que o pai dele era o famoso cantor de uma das duplas sertanejas mais ouvidas no país. A diretora da escola depois me disse que ele não usava seu nome verdadeiro na escola e que não era para dizer para ninguém que ele estudava lá (isso foi há muitos anos, ele com certeza já formou, não tem problema falar agora), para quem não se lembra, um dos irmãos da dupla havia sido sequestrado e eles tomaram algumas medidas de segurança para proteger os outros membros da família. 🙂
Eu confesso que eu fui fã de sertanejo quando eu era criança, afinal quem não sabe cantar Evidências, não nasceu nos anos 80 ou não é brasileiro, mas a nova fase do sertanejo não fez parte da minha adolescência, e mesmo em Goiânia, eu me lembro de ir para a Pecuária um único dia e não assistir a show nenhum.
Quando eu voltei da China e fui morar em Rio Verde, um dia eu disse aos meus alunos que eles só gostavam de sertanejo universitário e, portanto, eles não tinham direito de falar que gostavam de sertanejo. E foi assim que eu passei os próximo dez minutos da minha aula com meus alunos cantando modões sertanejos, sertanejo raiz mesmo. O que eu posso dizer, todo mundo erra, e eu estava errada.
O goiano, em geral, tem orgulho de ser pé rachado, da sua raiz sertaneja, e para qualquer dupla de sertanejo universitário, para fazer sucesso em Goiás, é indispensável que eles respeitem e conheçam sertanejo.
Eu morei em Goiânia por 6 anos, mais um ano e meio e Rio Verde, e em todo esse período o sertanejo não conseguiu um espaço na minha playlist. Eu acredito que já havia se passado um ano que eu estava em Guiyang, sem voltar para casa e sem previsão de quando eu poderia visitar o Brasil, a saudade estava apertando e eu comecei a escutar músicas brasileiras para aliviar um pouco a saudade. Eu estava procurando por cantoras brasileiras e a Marília Mendonça estava no repertório, eu me lembro de rir por começar a escutar sertanejo estando na China e não em Goiás, mas nunca é tarde. De lá para cá minha playlist de sertanejos só tem aumentado, mas se eu jamais tivesse ouvido Marília Mendonça eu jamais saberia quem é Henrique e Juliano, Zé Neto e Cristiano e outros artistas.
É claro que um dos motivos que me levaram a escrever sobre o Goiás e a minha experiência nesse estado foram as mortes da Marília Mendonça e do Iris Rezende, duas pessoas públicas de mundos tão diferentes, mas que conquistaram o respeito de todos. Infelizmente, vivemos em um momento que não se pode nem mesmo morrer em paz e essa semana eu estava receosa em acessar minhas redes sociais e encontrar ódio por parte daqueles que não faziam parte dos admiradores desses dois goianos, mas tudo o que eu encontrei foram mensagens de solidariedade. Eu poderia dizer que provavelmente é porque estou cercada de pessoas inteligentes e com sensibilidade nas minhas redes sociais, mas eu prefiro acreditar que o respeito prevaleceu, e que os goianos que nos deixaram essa semana, vão fazer falta.
O Iris Rezende começou sua carreira política em 1958, e se eu já achava ele velho em 2008 quando eu mudei para Goiânia e ele era o prefeito, imagina 13 anos depois 🙂 . Eu não gosto de política, e como qualquer político, Iris Rezende não agradou a todo mundo e mesmo os seus apoiadores tiveram seus momentos de desilusão, como quando ele prometeu não deixar a prefeitura de Goiânia para concorrer a governador se fosse eleito em 2008, e dois anos mais tarde ele se candidatou a governador.
Essa semana com a sua morte, eu vi um colega, politicamente engajado e goiano, compartilhar uma mensagem no Facebook. Na mesma ele ressaltava a participação do Iris na construção das casas no bairro Multirão e outros bairros da cidade, além de, mesmo como adversário, ser um político que merecia respeito.
Faz 4 anos que eu não vou ao Brasil e eu sei que muita coisa mudou, mas eu jamais vou esquecer das oportunidade que eu tive em Goiás, ou no Goiás como eles dizer, da carreira que eu construí como profissional, dos alunos que me ensinaram muito e que eu me orgulho de vê-los crescendo e construindo suas histórias de sucesso (eu ainda tenho alguns no Facebook), e das pessoas que eu conheci e que me ajudaram a ser a pessoa que eu sou hoje.
Eu ainda não sei como eu vou fazer para visitar minha vizinha de prédio que ainda me manda mensagens, sempre perguntando como eu e o André estamos; minha chefe que, mesmo depois de anos, tem compartilhado na página do Facebook dela o meu blog e quando eu precisei de uma carta recomendação ela me ajudou prontamente; da minha amiga que mudou para o Paraná, dos amigos que fazem parte do único grupo do Whatsapp que eu faço parte e que agora cada um mora em um estado diferente, mas eu vou ter que encontrar um jeito.
Eu realmente gostaria de agradecer por ter Goiás como meu ponto de referência quando eu penso em voltar para casa.