Afinal, o que é ser um bom leitor? Existe um número ideal de páginas que devem ser lidas em um ano? É de acordo com o número de clássicos que você lê? O número de autores famosos que você consegue listar? O número de personagens ou falas famosas que você consegue decorar?
Eu me lembro que na oitava série do ensino fundamental, logo na primeira semana de aula a professora de português ao explicar como seriam suas aulas, ela também passou quatro trabalhos para o ano todo, cada trabalho deveria ser entregue ao final de cada bimestre. Ela escreveu na lousa:
1 Bimestre – 4 livros
2 Bimestre – 6 livros
3 Bimestre – 8 livros
4 Bimestre – 10 livros
Nós tínhamos que ler os livros e escrever um resumo em um caderno específico para isso. Uma vez por semana nós tínhamos aula de leitura, a qual nós podíamos ir à biblioteca da escola para pegar livros emprestados, nós tínhamos a liberdade de escolher o livro que queríamos ler e a professora ficava em sala lendo conosco. O último bimestre foi de muita apreensão, para falar a verdade eu não me lembro se consegui ler 10 livros em dois meses. O fato é que uma semente foi plantada.
A primeira vez que eu chorei lendo um livro, eu estava no ensino médio, “Amor de perdição” de Camilo Castelo Branco. Eu sei que o mesmo talvez nem seja digno de lágrimas, mas para mim foi uma das primeiras histórias que eu realmente me vi envolvida e não conseguia deixar o livro de lado.
Eu acredito que cada um tenha seu livro especial, por razões particulares, que tem algum sentido lógico ou emocional, mas uma vez que você se vê inundada por tal sentimento tão real é impossível não querer reviver a experiência.
De lá para cá, eu já pedi livros em amigos secreto, natal, aniversário, levei para casa os livros que meus tios não tinham mais espaço para guardar. Conheci pessoas que conhecem e leram muito mais livros do que eu, eu senti inveja boa de ver o quanto eles já haviam lido, mas nunca soube se podia me considerar uma boa leitora.
Não importa quão fácil para mim hoje é ler um livro de cem páginas, minha mente sempre volta à oitava série quando pela primeira vez eu tive que ler 28 livros em um ano. Naturalmente, quando me tornei professora de português, o primeiro trabalho que eu dei aos meus alunos foi o de ler um livro por bimestre. Eu nunca pedi a eles para ler 10 livros, mas sempre fez parte da nota de redação e aqueles que liam nas férias começam o próximo bimestre com uma nota extra.
Se eu não fosse uma boa leitora eu iria pelo menos influenciar meus alunos a serem melhores do que eu. Eu emprestava meus livros pessoais, permitia que eles lessem qualquer livro e isso me aproximou de muitos deles, inclusive dos que esqueceram de me devolver meu livro por meses, ou da minha aluna aos prantos querendo me devolver meu livro no meu último dia de aula com ela antes de embarcar para a China.
Eu lia o resumo que eles escreviam e eu acabei “perdendo” algumas aulas discutindo com alunos sobre livros e adaptações para filmes. Foi através de um desses resumos e discussões que eu conheci O Guia do Mochileiro das Galáxias – Douglas Adams, depois do terceiro resumo eu tive que pedir o livro emprestado e eu não sei expressar o quanto eu amo essa trilogia de cinco livros.
Eu li livros porque meus amigos indicaram, li sobre o espiritismo, autoajuda quando eu achei que não precisava de ajuda, romances, terror, ficção científica e realistas ao ponto de assustar, mas sempre fui honesta quanto aos livros que eu não havia lido ou não havia gostado. Eu me lembro que para um vestibular eu tive que ler Macunaíma de Mário de Andrade, eu juro que eu tentei com todas as minhas forças, mas eu sempre acabava dormindo depois de meia página.
No meu segundo ano da faculdade a professora disse que tínhamos que ler Macunaíma, eu comecei a sofrer por antecipação, nem o fato de não ser a única a estar infeliz com a tarefa ajudou. Algumas aulas depois, a professora, percebendo o descontentamento geral, resolveu dedicar parte da aula para explicar que se nós não estávamos gostando do livro é porque estávamos lendo da forma errada.
Não me entenda mal, eu era jovem e sabia muito menos da vida do que sei hoje, mas eu detestava a ideia de que para se entender um livro é preciso entender o contexto da época, as razões pelos quais o livro fora escrito, as intenções do autor por trás da obra e blábláblá…ainda assim, eu estava enganada (“Elementar, meu caro Watson!”). Depois que a professora, da maneira mais resumida possível, explicou a melhor maneira de ler o livro eu fui capaz de rir e me encantar com o caos das situações que o “herói” se encontra ao longo da trama.
Por conta da faculdade eu li muitos clássicos da literatura portuguesa e brasileira e, portanto não me sinto mal por ter lido poucos clássicos da literatura americana ou inglesa, mas ainda assim eu encontrei tempo para ler toda a saga Crepúsculo, Harry Potter (não todos), eu adoro os livros do Dan Brown e leio Webtoons* diariamente e não me sinto um leitor inferior aos que leem apenas literatura reconhecida como de qualidade por uma meia dúzia de críticos literários. Eu não acho que são obras comparativas, porque têm diferentes propósitos.
Ao voltar a escrever e tentar produzir textos mais complexos do que anteriormente eu tenho tentado me dedicar a ler mais, afinal um bom escritor obrigatoriamente precisa ler. Eu tenho lido livros de todos os estilos e também tentado deixar algum tempo para os clássicos americanos. Eu estou terminando 1984 – George Orwell, e confesso que uma questão continua martelando a minha cabeça: “Por que queremos tantos que adolescentes de 17/18 anos leiam livros tão complexos?
Definitivamente, eles são capazes de ler o livro, e com algum auxílio entender todas as minúcias dos clássicos, mas será que não seria muito mais pertinente se eles pudessem ler mais tarde, com um pouco mais de maturidade para entender certos detalhes por eles mesmos? Formarem a sua própria opinião ao invés de ter que aceitar a opinião de um crítico por não entender o livro em sua totalidade ou complexidade? Eu tento me imaginar com 17 anos e eu tenho certeza a cada página que leio que eu não teria a mesma interpretação de hoje e talvez eu estaria dormindo a cada meia página lida.
Eis o que eu acredito. Bom leitor é aquele que consegue extrair algo daquilo que lê, independente se vai ao encontro da proposta do autor. O leitor ideal é aquele que vai terminar um livro e não vai querer começar um outro, porque ele ainda precisa refletir sobre o livro que ele acabou de ler ou se despedir dos personagens e da história que ele acabara de ler. Independente da quantidade ele vai valorizar cada instante que ele tiver para ler e vai saber valorizar a criatividade e o trabalho do escritor.
*Webtoons, para quem não sabe, é um aplicativo que pode ser baixado gratuitamente no celular e que contém quadrinhos/mangás publicados diariamente, são gêneros diferentes, criados por autores de vários países do mundo e os mais populares são traduzidos para outras línguas.