Era um dia depois do feriado de 1 de maio e eu tinha acabado de voltar de Londrina onde estava fazendo faculdade. O exame e a consulta marcada com a obstetra eram mais uma formalidade porque eu estava sendo acompanhada por outro médico enquanto frequentava as aulas e adiantava meus estágios obrigatórios para conseguir concluir a minha licenciatura. O primeiro compromisso do dia era o último ultrasson, eu não posso negar que naquele momento era difícil saber se eu estava mais ansiosa ou desesperada pelo que estava por vir.
Durante o exame foi detectado que o André estava com o cordão umbilical enrolado no pescoço. A gente sempre ouve histórias, mas nunca espera que aconteça com a gente. A volta para casa foi um pouco mais apreensiva do que eu esperava. Antes do almoço a médica ligou em casa (desde quando médica liga para paciente? Essa ligou), minha mãe reportou o que havia sido detectado no ultrasson e a Dra. falou para eu fazer uma refeição leve e não comer mais nada até o horário da consulta que seria no final da tarde, porque havia uma chance de ter que fazer o parto naquele mesmo dia.
Tem dias que a gente quer guardar cada minuto na memória para sempre, mas eu confesso que minha memória é péssima e eu me lembro muito pouco do que eu fiz entre o almoço e a hora da consulta. Eu não sei se por nervosismo, sono de gestante ou os eventos que ainda estavam por vir.
A consulta deve ter durado 15 minutos, mas a médica havia sido bem clara sobre os riscos de esperar que o André desfizesse naturalmente a primeira arte de menino atentado dele e a melhor alternativa era fazer a cesária naquele mesmo dia.
Naquela época meus pais moravam em Santo André, a consulta havia sido em São Caetano e a maternidade que a gente tinha escolhido era em São Bernardo do Campo. Para quem não conhece o ABC paulista boa sorte procurando no Google (brincadeira!). São cidades próximas, tem momentos que é difícil saber quando você saiu de uma e entrou na outra.
Mas Tássia, por que você precisa interromper essa história para contar esse detalhe?
Eu era a última paciente da obstetra, a mala da maternidade já estava pronta há muito tempo e estava no porta-mala do carro. A médica e nós (minha mãe e eu) tínhamos o mesmo destino, saímos praticamente no mesmo horário, de São Caetano é possível chegar em São Bernardo sem ter que cruzar Santo André.
Minha mãe estava dirigindo e eu fiquei responsável por ligar para os amigos e familiares próximos para avisar de que o grande momento havia chegado. Deu tempo de ligar para todo mundo e nós ainda estávamos em Santo André. Sim meu caro leitor, as emoções são bichinhos traiçoeiros que nos confundem, minha mãe acabou fazendo um dos caminhos mais longos já registrados na histórias de mães que dirigem suas filhas à maternidade para ter filho (é verdade, pesquisas não mentem). Chegamos na maternidade a médica estava começando a ficar preocupada, meus tios também já haviam chegado.
O check-in foi rápido, nem trinta minutos haviam se passado e eu já estava usando o avental hospitalar e dividindo o quarto com outra gestante que estava descansando das muitas horas de trabalho de parto em que ela estava. A enfermeira perguntou se a gente precisava de algo e ambas compartilhávamos do mesmo desejo: COMIDA.
Nosso desejo não foi atendido, comida era uma das poucas coisas que a gente deveria evitar naquele momento. Eu não precisei ficar muito tempo na sala de espera por estar me preparando para uma cesárea eu estava apenas esperando que a sala de cirurgia estivesse pronta, já ela tinha que resistir um pouco mais.
Eu estava sozinha na sala de parto, aguardando pela equipe médica. O primeiro a entrar na sala e realmente conversar comigo foi o anestesista. As perguntas de rotina foram interrompidas quando ele ouviu que meu filho iria se chamar André. Ele estampou um sorriso de imediato e disse algo como “vai ter um futuro brilhante esse menino”. Lógico que o médico também se chamava André e ele havia achado graça na inesperada coincidência.
Não demorou muito para a anestesia começar a fazer efeito (eu estava lúcida, mas não sentia nada na cintura para baixo). A médica chegou com mais um outro médico acompanhando. Perguntou se eu estava bem e ligaram o som. Eu demorei um pouco para entender que minha cesárea ia ter música o tempo todo. O que era uma boa distração quando você começa a sentir o cheiro de queimado do bisturi a laser.
Foi muito estranho estar acordada enquanto os médicos realizavam todo o procedimento, eu não conseguia vê-los muito bem, não conseguia sentir o que eles estava fazendo e eu não tinha nada mais para fazer a não ser olhar para o teto, ouvir a música e esperar. Eu tinha a sensação de que algo estava errado, como se eu não estivesse cumprindo o meu papel de mãe já no início.
Tudo estava indo de acordo com o programado, mas meu menino arteiro estava pronto para mais uma. Ele estava tão pronto para nascer que estava difícil de tirar ele da posição que ele estava. O anestesista teve que ajudar, porque em dois eles não estavam conseguindo.
Eu me lembro de ouvir o choro forte do André, de demorar para vê-lo, da angústia em saber se estava tudo bem, se ele era saudável, a ansiedade de que agora era para valer, de que a partir daquele instante um novo capítulo na minha vida começava. Quando trouxeram ele para perto de mim eu mal consegui aproveitar o momento, ele deve ter parado de chorar por uma fração de segundo e logo o levaram para os demais cuidados.
Minha mãe me encontrou no quarto, disse que reconheceu o André pelo tamanho do pé, que ele era o bebê mais chorão da noite e que tudo estava bem. Ficamos conversando por um bom tempo até a enfermeira nos interromper e dizer que eu deveria ficar quieta ou eu iria ter muitos gases no dia seguinta (sem comentários).
Desde aquele dia minha vida realmente nunca mais foi a mesma, não há desafio que eu não seja capaz de encarar para que meu filho continue crescendo e tendo todas as oportunidades que eu possa oferecer, mas isso é um assunto para outro dia.
Hoje é dia 02 de maio e meu pequeno arteiro faz 15 anos e é claro que como uma boa mãe eu preciso expor meu filho um pouco, então segue uma pequena mostra do que foi vê-lo crescer.
Vicky, a babá
Quando voltamos da maternidade minha cachorra, que nessa época já tinha tido os próprios filhotes de cesárea também, se tornou a companheira número um do André. Ela estava onde ele estava, quando ele dormia a tarde no berço ela ficava na porta do quarto e vinha nos avisar quando ele tinha acordado,

Ele começou a engatinha e passar mais tempo no chão e ela sempre estava por perto, ele não podia ter nada de comer nas mãos que compartilhava com ela. Depois ele começou a se divertir em deitar na cama da cachorra e a Vicky nem uma vez sequer tentou morder ou foi agressiva com o André.
Minha queda choro dele

Já mais velho, em Goiânia, o André e eu costumavamos ir a um parque próximo de casa e em frente a um shopping. Em uma dessas vezes começou a chover muito e já estava anoitecendo, a gente queria ir embora e caminhamos até onde seria um ponto de táxi, quando estavávamos no dirigindo para a área coberta para esperar pelo táxi eu escorreguei e cai. O André começou a chorar, eu assutei achando que havia machucado ele, mas ele estava chorando por causa da minha queda, ele ficou tão preocupado que começou a chorar.
Escondido no playground

O prédio onde morávamos tinha uma área de lazer para as crianças, era pequena, mas tinha bastante criança no prédio e, portanto, uma boa opção para elas. Quase todos os dias a criançada do prédio descia para brincar, na época eu estava com a minha rotina maluca de trabalho e minha mãe descia com ele quando eu estava dando aula. Um dia, quando deu a hora de subir o André sumiu e ninguém conseguia encontrar. Uma força tarefa de mães começou a procurar no prédio inteiro, garagem, escada, todos os andares, para finalmente descobrir que ele estava no parque deitado e em um lugar onde ninguém conseguia vê-lo. Até hoje a gente não tem certeza se ele fez para brincar e não percebeu que tinha ficado sério, ou se ele cochilou e não ouviu as pessoas chamando ele.
Hot wheels

Sempre que o André fala da minha primeira vinda a China ele começa dizendo que ele ainda não era muito bom com tempo e que quando eu disse um ano ele pensou que era um mês, logo em seguida, ele conta sobre a história do carrinho.

Meus pais, meu irmão e o André foram me levar até o aeroporto de Goiânia, no momento do check-in o André estava ao meu lado. Quando a atendente perguntou se eu tinha qualquer objeto de metal dentro da mala eu neguei e o André imediatamente começou a chorar copiosamente e dizer que eu tinha. Eu acredito que a atendente percebeu a confusão estampada no meu rosto e me deu tempo suficiente para esclarecer a situação com o meu filho. Entre soluços o André disse que tinha colocado um dos carrinhos dele na mala para que eu não me esquecesse dele e o carrinho era de metal.
Antes de voltar para o Brasil quando eu parei na Europa o carrinho fez o tour comigo para que ele soubesse que não importa o lugar que eu esteja ele estará sempre comigo.
Cicatrizes
Antes de completar 9 anos André já colecionava cinco ponto e duas cicatrizes no rosto. Uma enquanto ele estava brincando na escola com o colega de classe e acabou batendo o rosto na quina da mesa. Quando eu vi as ligações perdidas da escola (eu trabalhava em outra escola e não costumo checar meu telefone durante as aulas) eu liguei imediatamente e a secretária disse calmamente: “Não se preocupe, já está tudo bem, já parou de sangrar”. É claro que o buscamos e levamos a uma clínica, foram necessárias 3 pessoas para segurar o André para que o médico conseguisse dar os pontos e muitos gritos de “Você mentiu para mim, vai doer”.
O segundo foi mais tranquilo, até porque a distância de tempo entre um acidente e outro foi pequena. O André foi atropelado por uma bicicleta na área de lazer do prédio e cortou o sobrancelha
Aprendendo inglês
O André fez curso de inglês antes de vir para China, mas quando ele chegou aqui ainda era muito básico e quem já teve a chance de falar com alguém de outro país ou um nativo sabe a pressão que você sente nas primeiras vezes que isso acontece. Eu levei ele onde eu trabalhava e minhas amigas tentaram se comunicar com ele, uma ainda tentou em espanhol e ele não conseguiu responder nada. Quando a gente saia para jantar com meus amigos eu tinha que traduzir a maioria das nossas conversas.

Ele ia brincar com dois americanos (9 e 12 anos) enquanto eu tinha que trabalhar e, por mais que houvesse uma barreira linguística, eles se deram muito bem. Uma vez o André me disse que ele não tinha receio de tentar falar com eles, porque eles eram quase da mesma idade. Em menos de seis meses minha amiga olhou para o André e disse: “Você lembra que ha três meses você não entendia quase nada do que eu falava, olha para você agora. Eu não consigo acreditar que há pouco tempo sua mãe estava traduzindo as coisas para você”.
Hoje, eu já vi nativo perguntar para o André de gírias novas que as pessoas usam, porque 90% do que o André consome é em inglês e ele sabe melhor essas novas expressões do que nós, que estamos ficando para trás.
Explicando o que é vinil

“Mãe, sabe que antigamente para ouvir música tinha um tipo de objeto redondo que era colocado contra uma agulha para tocar”
“Você está tentando descrever um disco de vinil para sua mãe?”
Arrependimento instantâneo estampado no rosto do já adolescente André.
“Não…….”
A história é curta, mas com certeza vale a pena ser incluída.
André coach
Uma das minhas maiores batalhas com o André é em relação aos estudos. O André é inteligente, mas não tem a mesma motivação para estudar quanto ele tem para outras coisas. Esse ano ele sabe que tem a responsabilidade de escolher algo para focar e levar a sério, ele pode até vir a desistir no futuro, mas ele precisa pensar em um curso ou levar o basquete mais a sério. O prazo final para ele decidir é hoje, seu aniversário.
Mês passado ele estava me falando sobre um video que ele viu no Youtube e que a pessoas que estava falando era um jovem de 27 anos e que já era milionário. O jovem dizia que ele tinha tido muita sorte em ter ganhado dinheiro e que se tivesse algo que ele pudesse mudar em relação ao passado era de não ter deixado tantas oportunidades passarem e ter estudado mais.
Tem vezes que os nosos filhos escutam melhor quando o conselho vem de outras pessoas.

Por hoje é só, aos que tem o privilégio de conviver e conhecer o André sabem que eu estou falando de um rapaz muito especial e que essas são apenas algumas histórias de muitas outras que eu poderia ter contado para mostrar um pouco dessa pessoa que eu tenho o privilégio de ver crescer e aos que não conhecem fica a esperança que nem todo adolescente está perdido. 🙂
Feliz aniversário André
Parabéns lindo presente de aniversário para o André
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