Faz uma semana que eu cheguei ao Brasil e ainda tenho dificuldades para encontrar tempo suficiente para escrever. Ainda parece surreal que há uma semana eu estava do outro lado do mundo vivendo um pesadelo para conseguir deixar o país e hoje eu escrevo ao som das ondas do mar.
Eu jamais imaginaria que uma semana atrás eu estaria a ponto de desistir da viagem na estação de trem da cidade de Zhuhai – China, roteando a internet do meu celular, procurando por uma solução para conseguir atravessar a fronteira em menos de 24 horas e pegar o meu voo com destino ao Brasil no aeroporto de Hong Kong.
A decisão
Talvez você não saiba que a China ainda segue um protocolo de tolerância 0 contra o vírus. Em setembro desse ano (2022), a cidade em que eu morava entrou em lockdown. Eu ainda tive a sorte de morar em uma região central e ter vizinhos que também eram estrangeiros no mesmo condomínio. Não foi fácil, mas nós tivemos a sorte de ter os serviços de entrega suspenso por poucos dias, outras áreas não tiveram a mesma sorte. Apesar da pouca informação a gente conseguiu passar todo esse período com o essencial, os moradores organizaram grupos de compra e todos seguiram as recomendações do governo local.
Talvez você não saiba que ainda é obrigatórios o uso de máscaras em lugares públicos, quarentena não só quando você chega no país, mas no deslocamento dentro do país. Todos os habitantes precisam ter código de saúde e cada região tem um código diferente. É preciso fazer testes com frequência, do contrário não é possível entrar em nenhum estabelecimento público ou comercial.
O sentimento de insegurança quanto ao que vai acontecer e a falta de informação é uma reclamação constante não só de estrangeiros, mas chineses também. É impossível fazer qualquer planejamento a longo prazo porque não se sabe se algo irá mudar nos próximos meses.

Em resumo, mesmo seguindo todas as medidas preventivas, fazendo testes regularmente, usando máscara, scaneando o código de saúde em todo lugar, você não sabe se amanhã vai surgir um caso na sua cidade e eles vão começar a fechar tudo, ou ainda pior se você for considerado um contato próximo da pessoa contaminada terá que deixar a sua casa e ir para um centro de quarentena e ficar isolado por tempo indeterminado.
Foram cinco anos na China sem voltar para casa. Meu filho saiu do Brasil com 10 anos, na altura do meus ombros e hoje com 15 eu tenho que olhar para cima toda vez que eu quero falar com ele. Um dos atrativos de vir para a China, além de toda a experiência cultural era a possibilidade de crescer, oportunidades que jamais teríamos e segurança. Infelizmente, nos últimos dois anos a realidade tem sido bem diferente e com tantas incertezas decidimos que era hora de voltar.
O Plano
Apesar de Hong Kong fazer parte a China, ela aplica uma política diferente do continente e tem trabalhado para reabrir a região. Não há quarentena para quem chega da China continental, quem vem de outros países são 3 dias em hotel e 3 dias de monitoramento, há muito mais voos, as passagens são mais baratas e a taxa de cancelamento é baixa.
Eu conseguiria comprar mais uma passagem com a economia que eu havia feito indo por Hong Kong, incluindo as despesas que teria para chegar lá. Como eu tinha um pouco de bagagem, foram 5 anos sem voltar para casa, meu plano era pegar um trem para uma cidade fronteira, atravessar no dia da viagem e ir direto para o aeroporto. Voos domésticos normalmente só aceitam uma mala e os voos da minha cidade para Hong Kong tinham escala e a viagem que deveria ser de 2 horas era de 17 horas.
Um amigo que havia acabado de voltar de Hong Kong me recomendou ir por Zhuhai, entre as cidades que fazem fronteira era a que tinha tido menos problemas com lockdown e a ponte Zhuhai – Macau – Hong Kong permitia a travessia e estava tranquila. Mais tarde fui descobrir que há poucas pessoas saindo da China todos os dias, principalmente devido as dificuldades de voltar.
Eu comprei as passagens um mês antes do voo, mas eu não conseguia comemorar, com medo do que poderia acontecer. Três semanas antes do voo eu reservei o hotel, nada havia mudado. Duas semanas antes eu comprei as passagens de trem para Zhuhai, a ansiedade crescia. Não era aquela ansiedade gostosa de viajar, era uma sensação de que nada podia dar errado e que eu tinha que ter certeza absoluta de que estava fazendo tudo certo.
Uma semana antes da viagem eu comprei as passagens de ônibus para atravessar a fronteira. Todos os dias eu conferias a situação das cidades, se os códigos da cidade em que eu estava ou Zhuhai haviam mudado. Conferia os documentos que precisava, se havia tido qualquer alteração. Eu verificava o cadastro online que tinha que preencher para entrar em Hong Kong que só pode ser preenchido 48 horas antes da viagem. O dia acabava e eu estava exausta.
Chegou a hora

Sábado a tarde demos início a nossa viagem, nosso voo era na terça-feira, mas eu queria ir antes para ter certeza de que tudo daria certo, de que teria tempo de encontrar o hospital mais próximo para fazer o teste, ter certeza de que eu saberia onde era o porto e o quão longe do hotel era, se dava tempo de atravessar a fronteira no mesmo dia e pegar o voo ou se eu teria que ir um dia antes. Eu sabia que viagens internacionais poderiam ser estressantes, mas nunca eu passei por nada parecido com aquilo.
Pegamos o trem como previsto, foram oito horas de viagem, deu tempo de ler, conversar, jogar cartas, tentar aceitar que a viagem estava começando e que em breve estaríamos no Brasil, estressar, acalmar, querer chorar e nada de chegar. Eu não queria criar expectativas, eu não queria sonhar tanto e quando desse tudo errado me arrepender por ter esperado demais.
Um dos razões pelas quais pouquíssimas pessoas sabiam do meu retorno é que eu não queria que as pessoas ficassem me mandando mensagens, já bastava a minha expectativa, eu tinha que focar no presente, em conseguir embarcar e não em responder os outros sobre a viagem.
Quando você vai para outra província (estado), como eu já disse, é preciso ter o código de saúde de lá. A recomendação é que você baixe o código no celular e coloque as suas informações antes de chegar, porque facilita a sua entrada na cidade. Com a ajuda de uma brasileira que mora em Zhuhai eu consegui fazer o meu código ainda em Guiyang, meu filho já não teve tanta sorte. A nossa teoria é que o nome dele é muito grande para o padrão chinês e isso atrapalha em qualquer formulário a ser preenchido na China. O fato é que a gente não conseguiu por nada.
Chegamos na estação de trem de Zhuhai, a primeira coisa que você precisa fazer para sair dali era mostrar o código. Eu mostrei o meu, mostramos que o dele não funcionava, eles não sabiam o que fazer. O André, sabiamente, abriu um outro código, que é um código de viagem, eles aceitaram e deixaram ele passar.
Ao sair da estação você se depara com uma estrutura temporária para teste, ninguém sai de lá sem fazer um. Outro código para scanear, novamente nossas informações pessoais para o laboratório local em que vamos fazer o teste, dessa vez o André conseguiu fazer o cadastro. Fizemos o teste e estávamos liberados para entrar na cidade.
O hotel era há 10 minutos da estação de trem e a 10 minutos do porto (pelo menos era essa a informação no site).
Chegamos, novamente era preciso mostrar o código da cidade, o recepcionista tentou nos ajudar a fazer o código do André, nada funcionava. Ele se contentou com o código da cidade que estávamos morando e o de viagem. Já era mais de 23:00 quando chegamos no quarto e apesar da fome o cansaço era maior. Nossa única refeição naquele dia foi às 12:30 pm.
Dia 2
Eu sabia que tinha ido muito antes do necessário, mas minha experiência de China me ensinou que era preciso esperar o inesperado. Pedimos café da manhã no quarto, a ideia era evitar sair e focar em nos organizar para não ter nenhum problema. Passei a manhã inteira tentando encontrar uma maneira do André ter um código de saúde de lá. Consegui cadastrá-lo como meu acompanhante no meu código de saúde.
Lógico que eu teria conseguido fazer isso ontem se eu soubesse ler em chinês, mas a barreira linguística era uma das razões que me fazia querer deixar o país. Eu estava cansada de não conseguir fazer coisas por conta da língua.
Primeira dificuldade solucionada com sucesso, agora era ter certeza da localização do porto e o movimento que havia por lá. Eu e o André saímos do hotel antes do horário de almoço, caminhamos ao que no meu mapa era o porto, tirei uma foto da entrada, haviam poucas pessoas, não vimos ninguém com muita mala e o fluxo de pessoas nos fez acreditar que não teríamos problemas para atravessar a fronteira.

Voltamos para o hotel e entrei em contato com a empresa de ônibus para confirmar as informações sobre o porto. Mandei a foto e fui notificada de que era o porto errado, aquele era o que ia para Macau e não Hong Kong. Recebi o endereço correto, ficava a 30 minutos do hotel. Confirmei sobre o tempo para a travessia, mais uma vez confirmaram que eu teria tempo suficiente.
Enquanto eu conversava com eles, vi no site que cada passageiro só poderia ter uma mala, eu tinha três. Questionei e eles confirmaram, mas disseram que eles cobrariam por mala e eu poderia levar bagagem extra. Não fiquei feliz, porque o site dizia que a empresa se dava ao direito de recusar bagagem extra, mas não havia outra opção de travessia por Zhuhai.
As barcas, demais ônibus e veículos próprios não podiam cruzar a fronteira livremente. Por mais que não houvesse quarentena para entrar em Hong Kong, ainda é preciso fazer quarentena quando se volta de Hong Kong.

Decidimos que no dia seguinte iríamos refazer as nossas malas e tentar ficar com pelo menos uma a menos, tínhamos seis no total. Ainda à noite fomos fazer o teste, queríamos saber quanto tempo demorava para ficar disponível o resultado no sistema e assim nos organizarmos em relação a viagem. Era recomendado um teste 24 horas antes do embarque.
Havia um ponto de teste a menos de cinco minutos de distância, chegamos lá às 20:00, no horário de encerramento dos testes, mas eles ainda estavam deixando algumas pessoas fazerem o teste e fizemos o nosso. O processo foi tão rápido que eu e o André não sabíamos o que fazer com o tempo extra. Andamos um pouco pela cidade, alugamos duas bicicletas e pedalamos próximo ao mar, mas não fomos longe. Voltamos ao hotel. Pelo menos naquele dia fizemos todas as refeições, apesar do jantar estar bem apimentado.
Dia 3

Acordamos. Nos divertimos vendo a nosso robô de entrega novamente a nossa porta. Tomamos café e era hora de voltar ao trabalho. Preencher os códigos de saúde para ir para Hong Kong. Procurar um hospital mais próximo porque era melhor ter um teste impresso e de preferência em inglês também, reorganizar as malas, tomar banho e lavar a cabeça porque no dia seguinte não daria tempo, almoçar, não necessariamente nessa ordem.
O dia estava tranquilo, eu estava quase me permitindo acreditar que eu tinha apenas exagerado nas minhas precauções e que a viagem apesar de alguns contratempos seria tranquila. Contratei um serviço de transporte do lado de Hong Kong da ponte para me levar ao aeroporto.
Estávamos quase prontos para ir ao hospital para fazer o teste impresso quando o telefone do quarto tocou, o recepcionista pediu para a gente descer para poder explicar melhor a situação. Meu chinês não é bom e o inglês dele era ainda pior, até então nada de muito preocupante.
Descemos. O recepcionista nos comprimentou com uma cara preocupada e disse: “Se vocês querem ir para Hong Kong é melhor ir agora ou vocês vão ficar presos em quarentena aqui por três dias”. Eu senti o meu corpo inteiro formigar naquele momento. Era preciso agir e era preciso ser rápido, faltava pouco mais de 24 horas para o meu voo e eu não tinha tempo para errar.
Eu não consigo descrever exatamente qual era a maior dificuldade se decidir o que fazer ou conseguir assimilar a informação para tomar uma decisão.
Olhei para o André, era preciso deixar o hotel rápido, em cinco minutos. O recepcionista recomendou comprar uma passagem de ônibus para atravessar a ponte, mas tinhamos uma hora para chegar lá. Ele disse que daria tempo, comprei a passagem, era preciso um taxi para chegar lá, a fila de espera era de mais de 60 pessoas. Não ia dar tempo. Desistimos de Hong Kong.
Perguntei sobre outros bairros da cidade, ele disse que seria um risco, poderiam fechar a ponte. Tínhamos que sair da cidade.
Questionei sobre outra cidade que fazia fronteira com Hong Kong, o recepcionista disse que era possível. Conferi se ainda havia trem. Tinha mais um.
Subimos para o quarto. Fechamos nossas malas em três minutos, descemos, entregamos a chave para o recepcionista que disse que estava tudo liberado e podíamos ir. Precisávamos de um táxi.
A estação de trem não era longe, mas não dava para ir a pé com a quantidade de bagagem que tínhamos. O recepcionista nos disse para irmos até o cruzamento não muito longe do hotel, talvez teríamos mais sorte. Eu não sei se acabamos cortando a fila ou o quê, mas pegamos um taxi. Eu fui na frente, ainda tentando comprar as passagens no meu celular, mas sem sucesso. O André estava todo apertado no banco de trás com as malas que ele arrumou da forma mais rápida possível.
Eu mal vi o caminho, eu estava tentando comprar as passagens, eu via o pânico estampado no rosto do André, que apesar do susto foi o responsável por ainda termos nossas malas, porque eu já tinha esquecido delas na hora de entrar no táxi. Eu queria confortá-lo, eu queria dizer que daria tudo certo, mas eu estaria mentindo que acreditava que conseguiria pegar o avião naquele momento. Chegamos na estação e eu não tinha conseguido comprar as passagens. Fui ao guichê, o André esperou do lado de fora para não ter que perder tempo explicando que seu código de saúde estava como meu acompanhante. Comprei as passagens, mas não significava muito pouco naquele momento.
Entramos na estação de trem e procuramos um lugar para sentar. Vimos onde era o portão de embarque. Compramos água. Eu estava focada, eu tinha que conseguir reverter aquela situação. Eu estava indo para Shenzhen e precisava encontrar uma forma de cruzar a fronteira.
Lembrei de uma estrangeira que morou em Guiyang por um tempo e mesmo não sendo próximas sempre foi muito atenciosa comigo. Ela estava morando em Shenzhen com o noivo. Mandei mensagem, precisava de ajuda e se ela não soubesse ela teria como perguntar nos grupos da cidade, alguém deveria saber.
Ela respondeu rápido, falou sobre uma ferry que ia direto para o aeroporto, mas tinha que confirmar se a companhia aérea que eu tinha comprado fazia parte. Ela colocou o noivo para me ajudar. Passei as informações do meu voo, resposta positiva.
Ela compartilhou o contato oficial da ferry para comprar a passagem. Depois de algumas dificuldades, deu certo. Era o começo de uma esperança, mas nada me fazia relaxar.
Era preciso alterar o código de saúde de Hong Kong, porque era preciso informar por onde eu estava entrando na região, era preciso um hotel para passar a noite, porque chegaríamos por volta das 22:30 e o porto só abria às 7:00 da manhã, era preciso fazer um teste, porque na correria de deixar Zhuhai não fomos ao hospital.
Consegui alterar o código de Hong Kong antes de entrar no trem. Foram duas horas de viagem, alguns amigos que sabiam da viagem e a Sharona (a estrangeira em Shenzhen) mantiveram contato para ter certeza de que tudo estava dando certo, de que eu não estava perdendo o foco e que apesar de ser um grande contratempo tudo acabaria bem. Eu nem sei como agradecer pela companhia que elas me fizeram no trem
Chegamos em Shenzhen, o hotel era a menos de 1km do porto. Mais um código de saúde para mostrar, mais um teste para fazer. Dessa vez pediram para a gente preencher um outro formulário para o teste, eu não sei explicar porque nosso teste seria diferente, mais tarde eu entenderia.
O carro que pedimos por aplicativo demorou uma eternidade, o hotel ficava a quase uma hora da estação de trem, a viagem foi horrível, ele parecia perdido, constantemente duvidando do próprio GPS, o que não contribuiu em nada para o nosso já abalado estado de espírito.
Chegamos ao hotel, mais uma vez mostrar o código. Fazer check-in, mostrar passaporte, tirar cópia de passaporte, tirar foto, pegar chave e encontrar o quarto.
Era preciso ligar para minha mãe que pedia por notícias, nos falamos rápido. Expliquei o que havia acontecido e que até aquele momento estávamos fazendo o possível para ir embora.
O André que até então se manteve em silêncio a maior parte do tempo olhou para a televisão e disse: “Nós precisamos jogar FIFA, nossas mentes merecem esse descanso”. Ele não se deu por vencido enquanto não fez o PS5 funcionar. Estávamos exaustos, físico e emocional, a distração seria mais do que bem vinda.
Claro que esquecemos completamente de que era preciso comer e mais uma vez não jantamos. Honestamente, eu não tinha apetite.
Jogamos, ele estava certo, era preciso deixar a cabeça relaxar, mas era difícil. Era hora de dormir, apesar da nossa barca ser às 10:00 eu queria estar no porto desde a hora que abrisse, eu precisava da garantia de que iríamos deixar o país.
Tínhamos pouco mais de cinco horas para dormir e eu rezei para que o André conseguisse descansar um pouco porque eu sabia que não iria.
Dia 4
Passei a noite tentando dormir, orando e checando o aplicativo para ver se o resultado do teste ficava pronto. Não conseguiríamos viajar enquanto nosso código não voltasse a aparecer 24 horas (mostrava 48 hrs). Foi uma das noites mais longas e mais angustiantes da minha vida, toda vez que os pensamentos negativos começavam a ficar muito intensos eu começava a orar para me distrair, focava em conseguir lembrar o Pai Nosso que com uma certa frequência notei pular alguns trechos ou repetir outros algumas vezes.
Às 4:00 da manhã o resultado do teste saiu, o nosso código voltou a mostrar 24 hrs, faltava uma hora para acordar o André que pediu para ser acordado uma hora antes de sairmos do hotel. Eu devo ter dormido 30 minutos durante a noite.
Deixamos o hotel e fomos ao porto, era realmente perto. Entramos junto com os funcionários, éramos provavelmente os primeiros passageiros. Era possível imprimir a passagem em um dos totens que eles tinham. Feito. Encontramos o guichê de embarque da nossa companhia aérea, mas estava vazio.
Fomos procurar um lugar para sentar enquanto aguardávamos. O porto tinha algumas conveniências abertas e sugeri ao André encontrar algo para comer. Ele também não tinha fome. Água e algumas bolachas de água e sal que eu trouxe na viagem foram o nosso café da manhã.
Minha mãe pedia notícias, mas havia muito pouco para atualizá-la. Disse que até o momento sem mudanças, estávamos esperando abrir o guichê para fazer o nosso check-in.
O guichê abriu por volta das 7:15. 7:40 começamos o nosso atendimento. Ele começou todo o processo e perguntou das vacinas. Entreguei o comprovante impresso que tinha. Ele não queria aceitar, disse que tinha que estar em inglês. Pediu meu celular e procurou um mini programa dentro do Wechat e incluiu meus dados, encontrou a informação das vacinas que eu tinha tomado e me ajudou a gerar uma certificado de saúde internacional em inglês. Seguiu o atendimento, era hora do André, ele pegou o celular dele e fez o mesmo, não apareceu as vacinas que ele tomou. Era o nome novamente, pedi para que eles me auxiliassem e ligassem para o contato que eu tinha no posto de saúde onde ele tomou a vacina, o funcionário do posto desligou o telefone assim que perguntaram sobre a situação do André.

Ele se recusava a deixar o André embarcar, expliquei que estávamos indo para o nosso país e que não seríamos impedidos de entrar. Mostrei o código de saúde e que havíamos feito o teste em menos de 24 horas, mas ele queria algo impresso e em inglês. Era mais um contratempo para resolver. Perguntei sobre a última barca já que meu voo era às 18:50 pm. Troquei minha passagem para a barca das 14:00, eu tinha que estar de volta antes das 13:30. Pedi onde poderia deixar a minha bagagem (seria muito mais fácil se eu não precisasse me preocupar com malas) e o endereço do hospital mais próximo.
Eu tinha quase certeza de que não daria tempo, mas eu precisava tentar. Saímos do porto pouco depois das 8:00 am. Era preciso pegar um táxi, encontrar o hospital, explicar a situação em chinês e encontrar um anjo disposto a nos ajudar, pegar o resultado impresso e voltar.
Saindo do porto dois chineses se aproximaram, um dizia “Táxi” o outro fazia um gesto que simulava o PCR. Parei e dei minha atenção ao segundo. Ele repetiu, disse que me ajudaria com o teste. Eu disse que não tinha tempo, ele disse que conseguiria fazer o teste rápido. Eu não tinha tempo para pensar, eu não tinha tempo a perder. Eu vi que o André não estava gostando da ideia, mas eu não conseguia pensar em outra saída.
Entramos no carro do chinês e ele pediu o passaporte do André, enquanto dirigia ia informando uma terceira pessoa do teste. Eu liguei para uma amiga chinesa, eu precisava ter certeza que ele me entregaria o resultado antes das 13:00.
Minha amiga também não estava feliz, mas eu sabia que não havia outra opção. Eu estava em uma cidade que não conhecia, meu chinês não é bom e eu tinha um prazo curtíssimo. Como eu conseguiria chegar em um hospital, explicar o que eu precisava, fazer eles entenderem que tinha urgência e ter a certeza de que teria o documento em tempo? Era mais barato pagar para alguém me ajudar com o teste do que perder as passagens de avião.
O chinês nos levou até um ponto de teste de um hospital, onde outras pessoas também estavam fazendo o teste. O André fez o registro como todo mundo, pagou pelo teste e fez o teste como todos que estavam ali. Foi um pouco tranquilizador perceber que na verdade eu estava pagando para ter o teste liberado antes. Não que eu estivesse feliz, mas eu estava me contentando com a sensação de que ia dar certo.
Voltamos para o porto, ficamos na área de espera no terceiro andar. Ele disse para aguardarmos lá que ele voltaria por volta das 10:00 com o resultado impresso. Pegamos nossas malas e tudo o que nos restava era aguardar. Minhha mãe perguntou se já tínhamos embarcado e a única coisa que eu soube responder era que pegaríamos a barca às 14:00 e explicaria melhor mais tarde.
Nunca os minutos se arrastaram tanto. Continuamos tentando encontrar no sistema as vacinas do André, eu queria garantir a continuidade da nossa viagem de qualquer jeito.
Eu queria me manter otimista, mas eu confesso que naquele momento o cansaço e a falta de alimentação adequada não estavam ajudando. Rezei um pouco mais, mantive contato com algumas pessoas que estavam acompanhando a nossa aventura.

Ele voltou no horário combinado, pediu para que a gente esperasse uma hora antes de voltar para o check-in, afinal de contas a gente não podia conseguir o documento tão rápido pelas vias normais. Concordei e nos deparamos com mais uma hora torturante de espera. Conferindo o documento percebi que a data do teste era do dia anterior, por volta das 22:00. Mais tarde eu iria entender que aquele era o teste que havíamos feito na saída da estação de trem e que na verdade eu paguei caríssimo pela impressão do teste que o André havia realmente feito.
Esperamos pelo horário combinado, não havia razões para que não desse certo, mas depois de tantos contratempos era impossível acreditar que seria fácil. Fomos ao check-in, tinha fila e ficamos mais meia hora esperando. Ao chegar no check-in fomos atendidos pela mesma pessoa. Ele começou pelos documento do André, viu o teste, nos parabenizou por ter conseguido o teste e ao observar o documento mais atentamente abriu um leve sorriso. Ele sabia o teste que eu tinha, mas ele não fez nada. Eu podia tentar explicar que ele havia feito o testo no dia anterior a gente só não sabia como imprimi-lo, mas me contentei com a aceitação do documento. Continuou o processo, concluiu o do André e fez o meu. Nos entregou os cartões de embarque e disse para preenchermos um formulário online para saída do país.
Mais uma etapa concluída. Voltamos para a área de espera próximo as conveniências, mas ainda não encontramos nada que nos despertasse o apetite.
Começamos a preencher o documento online. Tínhamos que reportar todos os lugares que estivemos nos últimos 15 dias, eu não queria incluir Zhuhai, mas com todos os testes, códigos de saúde, telefone que indica a sua localização era impossível esconder, era torcer para que não fosse toda a cidade que estivesse fechada e que ainda demorasse para que as outras cidades começassem a encaminhar as pessoas vindas de Zhuhai para a quarentena.
Tínhamos que esperar para embarcar, depois de algum tempo meu corpo começou se permitir sentir-se realmente cansado, faltava tão pouco para acabar, mas parecia que estávamos vivendo aquele momento por uma eternidade.
O embarque começava uma hora antes, estávamos na fila 30 minutos antes. Antes de embarcar nós passamos pela imigração e nossos passaportes foram carimbados. Estávamos fora da China. Mais um passo próximo do nosso destino, mas ainda não era o suficiente para me sentir confortável.
Nós dirigimos para mais uma sala de espera. Parecia que a cada minuto a tensão aumentava, como se alguém fosse aparecer e dizer que houve um engano e a gente teria que voltar. Embarcamos, mas a barca não saiu no horário (o que não é comum na China). Enquanto estávamos esperando o meu celular e do André começou a receber uma série de notificações. A maioria delas da nossa operadora de telefone para comunicar de que havíamos deixado o país e que deveríamos adquirir um pacote internacional.

As notificações continuavam a chegar quando eu notei uma um pouco diferente. Ao traduzir a mensagem dizia algo como: “Você esteve em um área de alto e médio risco. Por favor, dirija-se as autoridades da sua região para seguir as medidas preventivas cabíveis”. Em outras palavras, eu deveria comunicar que eu estava em uma área de risco e eles, provavelmente, iriam me encaminhar para um centro de quarentena ou sugerir para ficar em casa e como eu não estava na cidade em que morava eles iriam me encaminhar para um hotel ou centro de quarentena.
Perguntei ao André se ele também havia acabado de receber um SMS. Ele confirmou. Pedi para que ele deletasse a mensagem e disse que explicaria quando estivéssemos no avião. Ele me olhou muito confuso, mas atendeu ao meu pedido. Fiz o mesmo com a mensagem que eu havia acabado de traduzir, se alguém me perguntasse em Hong Kong eu iria negar ter conhecimento de que precisava declarar qualquer coisa.
A barca ainda estava atracada, tinha gente embarcando, aquela era a última barca e, aparentemente, eles são mais flexíveis quanto aos atrasos. Eu comecei a me sentir muito mal, eu tinha dor de cabeça, dor no corpo, tontura, nausea, tudo o que eu disse no formulário online que eu preenchi poucas horas atrás que eu não estava sentindo, naquele momento eu sentia.
Eu rezava, era uma distração dos pensamentos negativos e do medo de chegar tão perto e ser mandada de volta, eu ainda tinha dificuldade em focar e errava a oração algumas vezes. Eu evitava olhar para o André, eu não queria que ele se preocupasse mais do que eu sabia que ele estava.
Quase ao final dos 30 minutos de viagem eu senti meu corpo apagar. Eu não acho que sonhei, eu não tenho certeza da visão que eu tive, mas eu lembro que não estava feliz ao ganhar consciência novamente.
Chegamos, o desembarque foi tranquilo, caminhamos até uma área onde chineses e estrangeiros eram separados (não por preconceito, mas chineses têm que apresentar menos documentos), procuramos o guichê da nossa companhia aérea, mais uma fila. Notei que eles estavam conferindo os documentos novamente, mas que até o momento ninguém tinha tido nenhum problema.
Chegou a nossa vez, entreguei os passaportes, após alguns minutos ele perguntou pelo comprovante de vacina, entreguei os que eu tinha, os mesmos que eu havia apresentado as 7:30 da manhã. Ele conferiu os dados e continuou o seu trabalho, nos entregou novos cartões de embarque e nos desejou boa viagem.
Eu queria pular de alegria, eu vi a expressão de alívio finalmente surgir no rosto do André. Vitória, mas eu não conseguia comemorar. A mensagem que eu havia recebido na barca ainda era uma constante, eu tinha medo que a qualquer momento eles iriam vir nos buscar. Era hora de seguir para a área de embarque, detector de metal, tax refund, pegar um trem entre o porto e o aeroporto (uma estação), caminhar até a área isolada para os passageiros vindos da China.

Era isso. Estávamos na área de embarque, faltava pouco mais de duas horas para o nosso voo, não tínhamos acesso a todo o aeroporto, não entramos em Hong Kong (nossos passaportes não foram carimbados) e agora podíamos tentar comer alguma coisa.
Eu confesso que mesmo enquanto eu avisava alguns amigos e minha família de que estávamos na área de embarque eu ainda tinha uma sensação de insegurança, eu não conseguia relaxar, era como se não tivesse acabado.

Eu havia combinado com o André que a gente só poderia comemorar completamente quando o avião estivesse no ar. O aeroporto tinha internet, mas eu não queria assistir nada, ainda lembrei o André de que ele podia assistir Youtube sem problemas, porque na China o firewall não permite. Ele se distraiu enquanto eu rezei e mandava mensagem dizendo que estávamos cada vez mais próximos. Mais de uma pessoa me perguntou qual era a sensação de estar indo embora e a minha resposta foi a mesma a todos: “Eu só vou sentir que estou indo embora quando o avião estiver no ar, eu ainda tenho receio de que algo possa acontecer”.
O avião decolou no horário, fomos um dos primeiros a embarcar. Eu não estava fugindo de uma guerra, eu não estava fugindo de fome ou pobreza, eu estava voltando para o meu país, mas naquele momento eu me sentia fugindo. Fugindo de um país que eu aprendi a amar e que me despedia com um gosto amargo. Era como se todos os momentos felizes que eu tive, todas as oportunidades, os melhores anos da minha vida até agora fossem ofuscados por não me sentir mais bem vinda em um país que um dia me acolheu tão bem.
Eu me despedia com o corpo cansado de quem nas últimas 24 horas não dormiu, comeu pouco e o estado mental completamente destruído por não ter certeza se conseguiria embarcar no voo de volta para casa. Eu me despedia do país em que eu vi meu filho crescer e amar toda a liberdade que ele tinha de ir e vir, participar de atividades e eventos que jamais teríamos a chance no Brasil, conhecer pessoas de várias partes do mundo e entender a cultura de um país, mas que nos últimos meses se sentia completamente desmotivado em fazer qualquer coisa, facilmente irritado e sem expectativas de conseguir fazer o que mais gosta, jogar basquete.
O avião decolou e nos abraçamos, choramos por toda a ansiedade, por todos os contratempos, por todos os momentos que quisermos desistir, por todas as vezes que tivemos que fingir que estava tudo bem, por todos os momentos que nos mostramos mais fortes para que o outro pudesse ter o seu momento de fraqueza, choramos por estarmos juntos, porque estávamos a caminho de ver nossa família e que nada mais poderia dar errado.
O voo até a nossa escala foi tranquilo, com poucos momentos de turbulência e a refeição era maravilhosa (mesmo na econômica). Eu tive dificuldade para dormir, mas o cansaço já não me incomodava. Eu assisti filmes, permiti criar expectativas ao chegar no Brasil e rezei bastante, mas dessa vez para agradecer.

Em Doha, tivemos nove horas de escala, nem a pizza que não caiu bem, nem o fato de nos reverzarmos quando o outro não aguentava mais e precisava dormir enquanto esperávamos na sala de embarque nos afetou tanto quanto o trecho da viagem na China, porque ali não havia a ansiedade de se ver sendo encaminhado para um centro de quarentena ou ser impedido de entrar em algum lugar. Foram nove longas horas, mas muito mais rápidas do que as horas que passamos no porto, ou a hora da barca.
Chegamos ao Brasil e ao apresentarmos nossos passaportes nenhum documento extra foi pedido, ou seja, paguei por um teste que nunca precisei apresentar, apenas para o funcionário que me disse que os documentos que eu tinha não seriam aceitos.
Com a cabeça descansada eu consigo ver que e poderia ter agido diferente em certas situações. Eu não tinha como adivinhar que a cidade iria fechar, mas eu confesso que relaxei um pouco ao chegar e não me preocupei em me atualizar com tanta frequência em relação ao número de casos na cidade. Talvez eu pudesse ter ido para Hong Kong antes e por preguiça de ter que entender como funcionava o código de saúde deles e por querer economizar (HK tudo é muito mais caro) eu preferi ficar na China continental. Principalmente, quando o atendente no porto recusou a vacina do André dizendo que ele não entraria em Hong Kong sem um PCR ou vacina eu poderia ter dito que em Hong Kong todos sabem ler em chinês e eles não iriam contestar o documento que eu tinha e que no Brasil eu assumiria a responsabilidade por não apresentar nenhum documento em inglês. Infelizmente, eu não estava preparada para tantos intempéries em um período de tempo tão curto e com todo o estresse eu não consegui raciocinar com clareza.
Essa história tem um final feliz, apesar de não parecer. Nós chegamos, nós estamos no Brasil e prontos para novos desafios que já começaram, mas com muito menos emoção e de maneira positiva.

Oi, Tassia.. Q’ aventura… ainda bem q tudo correu satisfatoriamente….Bem vinda ao Lar ” tupiniquin” rsrs.Deus te abençoe e ao André. Abs. A tds.Tio Jjodas.Enviado do meu Galaxy
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A melhor parte da aventura é…. o destino mesmo! Heheh, história não faltará por muito tempo! Que bom que no final deu tudo certo!
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Aff cansei só de ler… acho que eu não sobreviveria a tanto stress, vocês foram guerreiros mesmo. Enfim, lar doce lar ! Estamos muito felizes com vocês novamente pertinho de nós. Bem-vindos meus amores ❤️ todo sucesso do mundo.
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