Eu nunca gostei de humor do constrangimento. Das poucas memórias que eu tenho de quando era pequena, eu me lembro que estava assistindo um filme e chorar enquanto meu irmão e minha mãe riam porque o personagem havia sido colocado em uma situação constrangedora e por mais que o próposito do filme era causar o riso com a situação, eu sentia pena.

Muitas anos depois eu assisti O Professor Aloprado (The Nutty Professor), estrelado por Eddy Murphy, em um determinado momento do filme o personagem principal vai a um clube de comédia e o comediante usa do constrangimento para divertir a plateia. Algo que mais tarde eu fui descobrir que nos Estados Unidos é bastante comum, mas enquanto eu ouvia o duelo entre o personagem principal e o comediante de: “A sua mãe é tão isso”, “A sua mãe é tão aquilo” que eu confesso o filme não tinha mais sentido e acabou ali.

Ricky Gervais talvez seja o nome atual mais recorrente quando se falar em comédia do constrangimento. O “hype” do “The office” talvez seja o seu cartão de visitas, mas quem já assistiu trechos de premiações em que ele é o apresentador sabe bem o quão amargo ele é capaz de ser.
Talvez por isso eu tenha evitado por muito tempo qualquer tipo de comédia desse estilo. Eu nunca entendi como alguém poderia achar engraçado humilhar o outro, mas eu sempre acreditei que é preciso respeitar o outro. Temos valores diferentes, critérios diferentes e assim como e prefiro O Guia do Mochileiro das Galáxias à Harry Potter. Cada um tem o direito de fazer a arte que acredita e consumir aquilo que lhe faz feliz.

Há alguns anos eu comecei a assistir uma comédia “O primeiro mentiroso” (The invention of lying). A premissa parecia boa demais para ser verdade e sem me preocupar com o elenco eu comecei a assistir o filme. Eu demorei muito para reconhecer Ricky Gervais, sabe quando você tem a sensação que conhece, mas não consegue lembrar de onde? O filme é maravilhoso e eu fui pesquisar um pouco mais sobre o elenco, quem escreveu, etc.
Imaginem a minha surpresa ao saber quem era o responsável pela única comédia capaz de me fazer rir naquele ano. Eu tinha que entender mais sobre o homem. Entrevistas em late shows, especiais de comédia, apresentação de prêmios e a minha conclusão é que na verdade ele é apenas um homem preguiçoso que não se importa em ser sincero. Desde então, passei a acompanhá-lo e a assistir tudo o que ele fazia.

Em 2019, Ricky Gervais estreiou na Netflix com a série “After Life – Vocês vão ter que engolir” (After Life). Um série com poucos personagens, poucos cenários, a maior parte da história acontece na fictícia cidade de Tambury.
Tony é um jornalista viúvo que perdeu o encanto pela vida desde que perdeu sua esposa. Todos os dias a primeira coisa que ele faz pela amanhã é ver um vídeo da companheira que partiu e antes de dormir também.
São três temporadas com 6 (seis) episódios cada. Dá para maratonar em um final de semana. Apesar de todo o histórico do escritor, a série é brilhante em apresentar o luto. Além do viúvo, também conhecemos outros personagens que estão lidando com a perda de alguém importante em suas vidas.
O humor ácido característico de Ricky torna os personagens mais humanos e é impossível não se deixar envolver pela história. Que fique claro, é evidente que ainda há muitas cenas de constrangimento, mas talvez seja o contra-peso necessário para uma série que tem a pretensão de tratar de um assunto tão pesado.