Intercâmbio – Parte 1

“Motivo da viagem?”

“Estudo.”

“Duração da estadia?”

“Noventa dias, sir.”

“Bem-vindo ao Brasil”

Brian mal podia acreditar, era sua primeira viagem internacional, a primeira vez que ficava por mais de 8 horas em um avião, a primeira vez que passava pela imigração de um país e tinha seu passaporte carimbado, o primeiro dia de 90 que ele estava determinado a serem os melhores dos seus vinte e dois anos de vida.

    Mesmo que ele estivesse no segundo ano da universidade de arquitetura, Brian era um rapaz muito reservado e dedicado aos estudos, ele nunca gostou de festas e tinha uma tolerância muito baixa ao álcool. Não era surpreendente que não tivesse amizades na faculdade. Na verdade, ele pouco se importava, sua vida foi sempre cercada de livros, revistas, internet, lápis e papel. 

 Ele nunca pensou em sair dos Estados Unidos e sabia que jamais teria aplicado para qualquer intercâmbio se seu professor não tivesse lhe recomendado o programa e auxiliado durante todo o processo. Foram seis meses de espera, documentos que tinham que ser preparados, autenticados, enviados, seis meses de muita burocracia. Ele pensou em desistir muitas vezes, mas o Dr. Guimarães sempre tinha palavras de incentivo e a confiança de que tudo daria certo. 

Quando saiu a notícia da sua aprovação, Brian já o considerava mais um mentor do que um professor e em sua última conversa antes de embarcar para o Brasil, o Dr. Guimarães, que era brasileiro, disse: “Arquitetura é arte, aproveite essa oportunidade para conhecer mais sobre a cultura do Brasil e como eles se expressam, afinal você não sabe quando terá outra oportunidade como essa…talvez tente aprender além dos livros”.

Brian aprendeu um pouco de português enquanto aguardava a viagem, recomendação de seu mentor. Na América do Sul, o inglês é matéria compulsória. mas nem sempre é possível encontrar alguém que fale inglês. Como não tinha muito dinheiro, cadastrou-se em todos os canais e sites que ensinavam de graça. Ele estava orgulhoso do seu progresso, ele havia até mesmo conseguido se comunicar com algumas pessoas online e respondeu as perguntas do oficial da imigração em português.

O americano não pode deixar de observar a discrepância entre o seu vestuário e dos demais ali no saguão. Ele viajou de calça e camiseta, tinha uma blusa de frio na mochila e se sentia completamente deslocado ao ver que todos ao seu redor pareciam estar no verão. Ele leu que o Brasil era um país tropical e Brasília era uma cidade quente, mas sua mente estava tendo dificuldade de absorver que, mesmo no inverno, o clima era de calor.

Agora sua ansiedade estava por conta do encontro com o seu contato da AIESEC. Em seu último email trocado com a instituição não-governamental de apoio a jovens para desenvolver o potencial de liderança, ele havia sido notificado que alguém estaria a sua espera  na área de desembarque do aeroporto. O saguão estava vazio, Brian não demorou muito para avistar um rapaz que aparentava ter sua idade, usando shorts tipo skatista, Vans e uma camiseta branca, ele segurava uma placa com o seu nome e o logo da AIESEC.

Eduardo deve ter notado o olhar perdido de Brian ao entrar no saguão, porque ele caminhou em sua direção, ofereceu o cartaz que estava em suas mãos e perguntou:  “Brian?”

“Eu mesmo.” – respondeu.

“The book is on the table”. – disse Eduardo.

“Desculpa, eu não entendi”.

“No pain no gain”

Um pânico súbito percorreu a espinha de Brian, ele havia estudado português, mas não o suficiente para explicar que ele estava exausto, precisava de um banho e internet para se comunicar com sua família e que ele não estava entendendo porque o rapaz a sua frente estava falando frases sem sentido em inglês. 

Eduardo manteve uma expressão séria o máximo que pode, mas alguns segundos depois ele quebrou o silêncio e não conseguiu mais conter o riso.

“Sorry, I had to do that. You are the first American I have ever met and I wanted to see your reaction. I am Eduardo, nice to meet you” – disse, que em português seria algo como: Desculpe, eu tinha que fazer isso. Você é o primeiro americano que eu conheço e eu queria ver sua reação. Meu nome é Eduardo, prazer em conhecê-lo.

    “O prazer é meu”.  – respondeu Brian ainda confuso, mas aliviado.

    “Uau, seu português é muito bom. Bem-vindo à Brasília”.

    “Obrigado”.

A conversa seguiu em inglês. Para surpresa de Brian, Eduardo falava inglês muito bem, apesar do r um pouco pesado e algumas palavras, que eram de origem latina, e, portanto, a pronúncia era um pouco diferente, mas nada que impedisse a comunicação dos dois. 

No caminho ao carro, Eduardo explicara que fazia parte da AIESEC há apenas três meses, quando ele ficou sabendo que existia uma organização não governamental, sem fins lucrativos e internacional que ajudava jovens a desenvolver o potencial de liderança deles, Eduardo, que estudava ciências políticas, não podia deixar a oportunidade passar, e essa era a primeira missão dele como membro dessa organização. Brian também pouco conhecia a instituição, mais um vez seu professor e mentor foi quem falou do grupo e o aconselhou a entrar em contato com mesmo.

O clima estava muito mais seco e quente do que Brian poderia ter antecipado, devia estar 88F ou mais, era difícil disfarçar o desconforto do calor enquanto estavam no carro a caminho da cidade. Ele já tinha se arrependido de ter feito a mala com tantas calças e por estar vestindo uma naquele momento. Ele tentou checar a temperatura no caminho à universidade, mas os termômetros marcavam 31C e nem ele ou Eduardo sabiam fazer a conversão da temperatura, mas não era preciso ser especialista para saber que não era um clima característico de inverno. O brasileiro ainda antecipou que o clima seria assim por pelo menos mais um ou dois meses, porque estavam no período de seca que é característico da região centro-oeste do país.

Eduardo tinha um carro comum, ou pelo menos Brian viu muitos como o dele na estrada. O brasileiro explicou que existem dois tipos de universidade no país: públicas e particulares. Ele estava estudando em uma universidade pública, o que significava que ele não precisava pagar nada para estudar, e o melhor de tudo, a maioria das universidades públicas eram consideradas superiores as particulares. Havia um teste nacional para ser aceito no curso desejado, e que a concorrência para alguns cursos era mais difícil do que algumas oportunidades de trabalho. Ele disse que não era nem rico, nem pobre, portanto quando ele conquistou a vaga na UNB – Universidade de Brasília, uma das mais concorridas do país, os pais deram um carro usado para ele de presente por ter entrado na faculdade. Era uma prática bastante popular, para quem tinha condições, segundo Eduardo.

Brian ainda estava confuso e admirado ao mesmo tempo com a ideia de uma faculdade gratuita. Ele não conseguia entender como era possível fazer um curso de formação superior sem pagar nada por isso. Ele lembrou de crescer ouvindo os pais falando que tinham que guardar dinheiro para pagar pela educação superior dos filhos, e da dívida que ele já tinha antes mesmo de concluir a faculdade e que ele não tinha ideia de quantos anos iria demorar para terminar de pagar.

O aeroporto era próximo da cidade. Ele havia estudado um pouco sobre Brasília, ao contrário do que ele imaginava antes de iniciar sua pesquisa, a cidade havia sido projetada como um museu a céu aberto. O desenho da cidade foi escolhido após um convite de apresentações de propostas. O projeto escolhido trazia uma cidade em forma de avião ou pássaro. Casas, escolas, indústria leve e escritórios estavam localizados nas alas. No centro, conhecido como Eixo Monumental, havia grandes edifícios públicos, como a Catedral, o Parlamento, os ministérios, o Tribunal e os museus, todos projetados principalmente por Oscar Niemeyer.

Brian sabia que estava no Plano Piloto, porque por mais que ele estivesse na capital federal do Brasil, ele ainda era capaz de ter uma visão ampla do horizonte, e mesmo com o calor insuportável que ele estava sentido era impossível não se sentir privilegiado pela oportunidade de ver com os próprios olhos a única cidade do século XX considerada patrimônio histórico e cultural da humanidade de acordo com a  UNESCO.

Eduardo notou o olhar observador do seu convidado e questionou se ele sabia algo sobre as super quadras. A propósta ao construir a cidade foi de criar áreas autônomas, um projeto ambicioso para a época baseado na Carta de Atenas. Documento, que surgiu do 4º Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, que incluiu os recursos que as cidades deveriam ter para serem mais habitáveis. Os prédios, que não passam do sexto andar, são abertos no térreo, o que permite o trânsito não só dos moradores, mas de qualquer pessoa, facilitando o acesso aos lugares.

Estava quase na hora do almoço e Eduardo perguntou se Brian estava com fome. O americano estava tão absorto nos seus pensamento enquanto admirava a cidade, que esqueceu que precisava se alimentar. Seu estômago reagiu instantaneamente. 

Eduardo abriu um sorriso, ele explicou que no Brasil uma das melhores formas de ser um bom anfitrião é através da comida, mas ele não sabia cozinhar e Brasília não tinha nenhuma comida típica, mas ele tinha o lugar perfeito. “Essa é a rua da igrejinha, é uma das super quadras que eu havia citado” – disse Eduardo, ele encontrou um lugar para estacionar o carro e andaram até um estabelecimento pequeno, Brian não sabia descrever examente o que era, definitivamente não era um restaurante, tinha apenas umas porta, e poucos lugares para sentar além de um largo balcão, era como um diner, mas muito pequeno. 

“Bem-vindo a Pizzaria Dom Bosco, a mais tradicional da cidade” – ele sorriu e mal conseguia esconder seu entusiamos – “até hoje eles oferecem apenas um sabor, mozzarela, mas não se preocupe, você pode escolhar entre simples, dupla ou tripla”.

Brian não sabia bem o que esperar e pediu uma simples, mas estava intrigado ao ver a pizza dupla, uma fatia sobreposta a outra, que Eduardo devorava. Ele estava adorando a simplicidade de tudo, as pessoas, a princípio, pareciam não se importar muito com a sua presença, mas ao notarem que ele era estrangeiro e conseguia falar um pouco de português ele logo foi convidado a voltar lá mais vezes, era difícil não se sentir bem recebido.

“Antes da gente ir para o apartamento que você vai ficar eu queria te levar a mais um lugar se você não se importar. Eu imagino que você deve estar cansado, mas eu prometo que não vai demorar muito. Tudo bem para você?”.

Era impossível negar o convite, uma onda de adrenalina corria em suas veias, por toda a experiência que ele estava vivendo e ele ainda tinha dificuldades para assimilar tudo que estava acontecendo. Ele tinha a impressão de que a qualquer momento ele iria acordar e que tudo não passaria de um sonho. De tempos em tempos ele sentia seu corpo formigar e ele não sabia se era cansaço ou o momento em que ele acordaria.

Eles voltaram para o carro, e, como prometido, pouco tempo depois eles estavam parando o carro novamente, no que parecia uma área com opções de alimentação e algumas lojas. Brian estava intrigado com a escolha de Eduardo que pouco falou no caminho até a próxima parada. Eles desceram do carro, e se encaminharam para a área contruída daquele ambiente. O brasileiro começou: “ Brasília, às vezes, dá a impressão de ser uma cidade muito fria, pelo menos para nós, brasileiros, as ruas são largas, as super quadras são organizadas, e você precisa de carro se quiser ir para qualquer lugar.” eles se passaram pela parte construída e Eduardo, mal deu atenção para os restaurantes e lojas que estavam ali, e seguiu em direção ao deck que ficava na parte posterior.

 “Esse é o Lago Paranoá, é um lago artificial, criado para aumentar a umidade das proximidade, e Brasília é muito seco em algumas épocas. Eu gosto de vir aqui e me encantar com a nossa capacidade. Muita gente acha que a gente é preguiçoso, país do carnaval e que só gosta de festa e futebol, mas a gente é muito mais do que isso. Eu amo o meu país, mas na capital, por estudar política e ver de perto algumas das decisões que mais nos afetam, é difícil manter a cordialidade e o bom humor que nós somos tão conhecidos em outros países.”

Os dois ficaram em silêncio por alguns minutos. 

“Eu sei que pode parecer estranho, mas eu queria compartilhar com você um dos meus lugares favoritos da cidade. Eu espero que você goste daqui, mas se por acaso a cidade começar a parecer fria demais, lembre-se de que a gente é muito mais do que ruas largas e planejadas e se precisar de qualquer coisa é só me falar”.

Eduardo parecia perdido em seus pensamentos e Brian não conseguia esconder o quando seu professor estava certo, aquele era o começo de uma experiência que estava muita além dos livros.

Published by Tassia Kespers

Escritora, professora, tradutora, revisora, mãe e exploradora nas horas vagas.

One thought on “Intercâmbio – Parte 1

  1. Um relato veridico de experiência de um estrangeiro ao chegar ao BR… geralmente tem essas impressões dos desarranjos, costumes , relativos descasos do povo, etc.. mas em pouco tempo percebem o seu calor, disponibilidade para tudo que vem acoplado ao ‘pacote’ de acolhida… Parabéns, Tássia (ou ao Eduardo ..rsrs) e boas estadas ao nosso amigo Brian em terras tupiniquins !!!

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