Eu lembro que o futebol sempre fez parte da minha rotina quando criança. Aos finais de semana íamos a casa da minha vó e ninguém ia embora antes do jogo terminar. Eu assistia os adultos assistindo e tentava entender a emoção que fazia com que eles discutissem com a TV, alertassem os jogadores das possíveis jogadas e passavam o intervalo discutindo entre eles sobre a partida. Era muito difícil não se sentir atraída pela ideia de torcer para um time e poder partilhar desse momento.
Quando eu engravidei eu queria muito que meu filho também gostasse de futebol, que torcesse pelo mesmo time que eu, mas já tinha ouvido histórias demais de pais frustrados de filhos que preferiram o time adversário, em casa era um exemplo disso (meu pai é São Paulo e eu sou Palmeiras).
Sendo assim, eu nunca comprei nada do time para ele, eu levei no estádio uma vez só e fomos embora antes do fim porque ele ficou entediado. Ele foi outras vezes assistir o São Paulo também. Eu sentava para ver alguns jogos e ele não conseguia ficar mais que 15 minutos.
Eu já havia aceitado que meu filho gosta de basquete e decidi que talvez fosse melhor aprender mais sobre o jogo. Eu ouvia ele explicando das jogadas que fazia, a gente tentava jogar no videogame, mas mesmo ele jogando mais tranquilo eu perdia com 30 pontos de diferença.
Talvez porque eu aceitei entender a paixão dele, ele passou a escutar a minha. Eu confesso que meu time tem ajudado com o número de conquistas. Então quando ele acordava eu narrava os melhores momentos do jogo que eu havia acordado de madrugada para assistir (eu ainda estava na China). Ele sempre deixou o Fifa baixado no videogame para os dias que eu sentava para jogar também.
Ontem, na final da Supercopa, Flamengo x Palmeiras, meu celular tocou para lembrar do jogo enquanto a gente ainda estava jogando Nba2K23, mas eu queria terminar aquela partida. Eu não nego que aos poucos tem me conquistado. Coloquei na Jovem Pam para ouvir o jogo, gritei no primeiro penalti e assustei a casa inteira.
Eu queria ver o jogo ao mesmo tempo que o o nosso estava bastante disputado, eu não sei como empatei no último segundo e fomos para a prorrogação. Estávamos esperando corregar o nosso jogo para reiniciar a nossa partida quando o narrador se calou e a torcida explodiu em alegria. Eu esperei até ter a confirmação de que o Palmeiras tinha empatado. Alívio.
Continuamos jogando. O videogame para mim hoje não é apenas um momento de diversão, mas uma oportunidade de estar com meu filho, de participar de algo que ele gosta. Eu venci a partida, eu ganho no basquete uma vez a cada três meses, nunca é justo porque ele poderia ter feito várias cestas de três pontos e ganhado com uma larga vantagem, mas ele não fez. Ele não ficou chateado de ter perdido e eu fiquei com a sensação de quem sabe um dia eu não tenha alguma chance.
Ele foi tomar banho e eu passei a assitir o jogo na televisão. Ele perdeu o gol da virada e eu comemorei discretamente, depois de ter assustado a casa inteira achei que era melhor me conter um pouco.
O segundo tempo começou e ele sentou ao meu lado. Eu esperava que ele ia sair dali em 15 minutos, mas ele não o fez. O jogo estava emocionante, em menos de cinco minutos o Flamengo empatou. Ele não estava apenas assistindo o jogo, ele estava torcendo comigo. “Bola nossa”, “Não foi nada juiz”, “O que eles querem?” Era como ver um sonho se realizando bem em frente dos meus olhos, não era apenas meu time que vencia a partida, eu tinha a chance de partilhar esse momento com o meu filho, sem nunca ter que força-lo a isso.
Passamos a frente mais uma vez, seis minutos de acréscimos. Ele contava cada minuto, pedia ao Everton ter calma para repor a bola. Confusão em campo, troca de jogador, mais três. Eu já nem conseguia mais ficar sentada. Apito final. Poucos fogos, alguns torcedores gritando da sacada e a sensação que eu saí mais vitoriosa do que o maior campeão das américas.
Quando eu digo que a paciência venceu não quer dizer que desde o começo eu tinha em mente a pretensão de que um dia isso aconteceria, que eu planejei um jogo de xadrez para que as peças se encaixassem e manipulativamente tudo aconteceu como o planejado. A minha intenção sempre foi dar a ele a liberdade de escolher e que se esse dia nunca chegasse eu iria encontrar outras de dividir momentos memoráveis com ele.